23.12.11

COMO O TEMPO VOA!

Podendo reconhecer-lhe alguma utilidade como ajuda para pôr fim a conversas chatas, sou obrigado a apontar-lhe o defeito mais comum das expressões idiomáticas – a falta de substância. Ora se o tempo voa, será condição sine-qua-non que tenha asas. Mas quem é que pode dizer que viu o tempo a voar? Por acaso já alguém viu alguém a apontar o céu, dizendo “Será um pássaro? Será um avião? Será o Super-Homem? Não, é o tempo a voar!”. Simplesmente ridículo.

A ser verdade, não quero sequer pensar nas consequências espaço-temporais que seriam aquelas épocas em que o espaço aéreo fica encerrado por causa das cinzas vulcânicas da Islândia, o que obrigaria o tempo a parar. Descontando a potencial vantagem para o Manoel de Oliveira, ao não envelhecer mais um pouco, não vejo outro benefício em parar o tempo.

Para evitar estes mal entendidos, há também quem diga que o tempo corre. Discordo novamente. O tempo não é um animal, logo não tem pernas. Se fosse, decerto existiria algo como “a caça ao tempo”, em espaços de caça associativa, onde se paga bem para entrar. Como não é, fiquemo-nos pela caça à lebre, essa sim, com pernas para correr, o que ainda assim não a impede de ir parar ao tacho, confeccionada à caçador.

Dito isto, que fique assente de uma vez por todas: o tempo não voa, não corre, não nada! Vamos ser exactos naquilo que dizemos às crianças, por favor.

COMO MANDA O FIGURINO

Incessantes buscas nos arquivos de identificação civil nunca permitiram descobrir quem será esse tal de Figurino, cujas ordens são sempre as mais correctas possível e um exemplo a seguir. À falta de identificação, considerar-se-á o figurino não ser uma pessoa, mas sim um posto hierárquico?

Contudo, uma vista de olhos à escala de patentes também não permite identificar qualquer figurino cujas ordens devam ser seguidas. Numa tentativa de, ainda assim, conseguir dar alguma consistência a esta expressão (a boa vontade em época natalícia vem sempre ao de cima), consideremos o seu sentido figurado, isto é, figura que representa o traje da moda. Ora, desde logo, a moda muda, no mínimo, com novas colecções a cada seis meses, pelo que, estar conforme o figurino, não pareça ser algo de muito duradouro.

Em segundo lugar, não esta provado que o que o figurino manda deva ser seguido – penso que as calças à boca de sino, os tops que mostram umbigos celulíticos e os sapatos com saltos compensados semelhantes a barcaças de dragagem do rio Douro, serão exemplos elucidativos de figurinos que não devem ser seguidos.
Assim sendo, não podem dizer que não tentámos, mas factos são factos: aniquile-se mais esta expressão.

COMO UM BOI A OLHAR PARA UM PALÁCIO

Carece de validade científica a hipótese de que os bois olhem para os palácios de forma diferente da dos seres humanos. Retirando, evidentemente, questões de estroboscopia.

Cada vez mais, hoje em dia, se comprova que o boi não fica especado a olhar para coisa nenhuma – basta ver qualquer tourada para constatar que, se um boi não se espanta com um homem aos pulinhos à sua frente, vestindo umas calças dois números abaixo do recomendável, geralmente de tons rosados ou avermelhados e que o chama de “toiro lindo” numa atitude deveras abichanada, também não será defronte de um simples palácio que irá ficar de boca aberta.

Além de não ter fundamento, esta expressão peca também por partir do princípio de que um palácio é para admirar. Nada mais errado, pois há palácios que não apresentam no seu interior ou exterior qualquer motivo de admiração – penso que ao apontar o caso do palácio de S.Bento, me será dispensável apresentar mais exemplos, sendo por isso sequer necessário referir os palácios constituídos por torres de marfim que alguns constroem para morar toda a vida. Até porque esses, quem fica a olhar para eles não são os bois, mas sim os camelos.

18.12.11

COMER COMO UM ABADE

Diz a lenda que, durante o reinado de Dª Urraca da Saxónia, foi fundada na abadia de Westminster uma escola de boas maneiras à mesa, por se sentir grande necessidade em educar a nobreza frequentadora do paço real, no que toca ao seu comportamento à mesa, o qual poderíamos designar pelo termo técnico de "javardo".


Ministrado pelos abades mais instruídos do reino, o curso foi granjeando fama tal que em pouco tempo surgiu esta expressão que significava, basicamente, colocar os garfos à esquerda do prato, sendo o do peixe o primeiro a contar de fora; as facas à direita, sendo a da carne a de dentro; as colheres ao cimo, sendo a de sopa a primeira e a de sobremesa a última; não tocar nos alimentos com as mãos, a não ser para descascar camarões e chupar entrecosto.

Estes comportamentos, ironizados por bardos bêbados em cantigas de escárnio e maldizer, foram mal entendidos pelo povo iletrado, ignorante e, em alguns casos, estúpido, como só povo sabe ser, o qual, deturpando a expressão, passou a designar “comer com um abade” como sendo comer muito e alarvemente. Um crasso erro de interpretação.

COM UMA MÃO À FRENTE E OUTRA ATRÁS

Se isto fosse, de facto, sinónimo de pobreza, então, por analogia, os ricos e o Américo Amorim teriam de possuir mais de duas mãos, para cobrirem não só a frente e a traseira, mas também os outros lados das suas adiposas e grossas banhas abdominais de porcos capitalistas, exploradores da classe operária que trabalha de sol a sol, tentando ganhar o pão que o diabo amassou, para poder minorar alguma da fome dos seus filhos...


Peço desculpa por esta deriva esquerdista.
Retomemos. Também não consta que exista alguém com uma mão à frente e outra atrás, o que seria uma aberração anatómica. As mãos existem nos lados e se algum apêndice existe na frente não tem, seguramente, cinco dedos. Apenas um.

Outra questão: que o pobre tenha uma mão à frente para esconder a vergonha na cara ou para pedir esmola, ainda se percebe. Agora, para que raio quer ele uma mão atrás? Para fazer figas? Para fazer sinais a alguém? Para vigiar a porta das traseiras? Era bom que as entidades competentes esclarecessem de vez estas questões, porque o país está numa situação crítica e não pode continuar a perder tempo com indefinições e faltas de esclarecimento que apenas perturbam a produtividade nacional.
Produtividade, diga-se, que está aos níveis em que está exactamente pela quantidade de mãos à frente e outras atrás que andam por aí.

COM SANGUE NA GUELRA

Se determinado indivíduo tiver sangue no olho, no nariz, no artelho ou na unha do indicador, isso é um sinal de valentia? Não.

Então porque diabo o há-de ser se tiver sangue na guelra? Desde logo, excluindo a hipótese de misturas de ADN, um tipo não pode ter guelras. Antigamente havia o Homem da Atlântida, que nos tempos livres também entrava no Dallas, mas isso não conta. Donde se conclui que, para ser valente, só sendo um peixe. E se ele tem sangue na guelra, das duas uma: ou já não é fresco, ou bateu nas rochas quando foi pescado e está todo pisado, não cumprindo os mínimos exigíveis pela ASAE.


Em qualquer dos casos, não se vislumbra qualquer valentia. Eu acho, é a minha opinião, pode haver outras, que estamos perante outro erro de escrita, que se tem estupidamente perpetuado. Acredito que, na sua forma original, esta expressão dizia “com sangue, na guerra”, para designar a forma valente e galharda como os desprotegidos soldados honravam o seu reino nas batalhas medievais.
E se depois desta explicação continuar o uso absurdo desta expressão agora em voga, lavo daí as minhas mãos, porque esta cena do sangue é bastante pegajosa.

9.10.11

COM PILHAS DE GRAÇA

Surgida por invenção do sr Voltaire, esta expressão está totalmente desajustada no tempo. Na sua forma original, a pilha era algo de semelhante ao que hoje identificamos como uma bateria de automóvel, pelo que, ter pilhas de graça era sinónimo de ter grandes quantidades de piada concentradas num volume tipo tijolo.

Ora, devido à evolução dos processos de fabrico (para a Teoria da Produção, ver Adam Smith, que eu agora não tenho tempo) e dos coelhos da Duracell, as pilhas foram diminuindo de tamanho, tornando-se portáteis, alcalinas, etc, e hoje a pilha pode ser algo de tão pequeno como uma daquelas teclas de telemóvel onde apenas se consegue acertar com a unhaca do dedo mindinho. Conclusão, dizer que algo tem pilhas de graça pode, racionalmente, não ser nenhum elogio e significar que não se tem piada nenhuma.

Hoje, à expressão “pilhas de graça” não se reserva mais do que o triste papel de slogan publicitário para campanhas publicitárias de marcas de pilhas, o que é um destino inglório para qualquer expressão. Já para não falar que, mesmo em promoção, elas nunca são de graça.
Costuma dizer o povo "A graça da mulher pode mais que a força do homem". Mas o que sabe o geralmente macambúzio povo sobre graça, se o seu nível geral não vai além do Badaró ou dos Malucos do Riso?.
Porque defendemos dignidade na morte para evitar o sofrimento, aqui se subscreve a favor da abolição pura e simples desta triste expressão.

COISAS DO ARCO DA VELHA

Eis uma expressão estúpida que tem como sinónimo outra expressão estúpida, ou seja, coisas mais velhas do que a minha avó. Posta de parte a hipótese de, tecnicamente, se poder ser avó aos 24 anos não sendo, portanto, muito velha, procuremos saber o que são coisas do arco da velha.

Primeiro, temos o arco. Não sendo o da rua Augusta ou o de Trajano, em Roma, ambos bastante velhos, nem o arco-íris, que julgo não ter dono, novo ou velho, apenas me ocorre que o arco da velha possa ser a sua coluna vertebral, pois geralmente as velhinhas quase tocam com o nariz no chão, fazendo as suas costas um arco, vulgo, marreca. Assim sendo, que coisas podem ser essas, as do arco da velha, senão os bicos de papagaio?

Outras questões há para esclarecer: trata-se de um arco aberto ou fechado? Porque se for um arco fechado, então trata-se de um círculo. E porque é que o arco tem coisas? Não existem arcos vazios? Será que os estúpidos criadores desta expressão não se estariam a referir a arcas, essas sim, que guardam coisas tipo gelados da Olá e assim?

Parece-me no entanto óbvio, que, querendo a velha guardar coisas de valor, nunca as esconderia num arco. Ou bem que o faria num bolso das imensas saias, saiotes, combinações e cullotes que geralmente envergam, ou, quem sabe em casos mais marotos, naqueles sítios onde ninguém de mente sadia teria coragem para procurar. Donde posso concluir, que as coisas do arco da velha, a existirem, não deverão ser de valor, pois tudo o que as velhas têm de valor está geralmente debaixo dos colchões sendo apenas entregue aos senhores bem vestidos que lá vão a casa avisar que a segurança social precisa de trocar todas as notas de euros por outro modelo.

E, como nota de rodapé e vago pretensiosismo cultural, se, como diz Cormac McCarthy, este país não é para velhos, então claramente também não é para as suas coisas, do arco ou de outro qualquer sítio, que ainda por cima devem cheirar a bafio.

CHOVER SOBRE O MOLHADO

Expressão facilmente enquadrável na categoria “expressões-patetas-que-vêm-não-se-sabe-de-onde-e-se-usam-sem-saber-porquê”. Meditemos: em que é que “chover no molhado” é mais significativo do que “secar o que está seco”, para designar algo que é recorrente e que não vale a pena?

Tome-se o exemplo da inundação. Tecnicamente, uma cheia é uma repetição ad eternum de chover no molhado e é falso que isto não leve a lado nenhum: leva à cheia! E a cheia leva as coisas dali para fora, a boiar. Há, portanto, uma mudança significativa quer no espaço (dali para fora), quer no tempo (é preciso um ror de tempo para voltar a enxugar tudo).

Logo, quando a mulher diz “Estou farta de mandar o meu Antunes baixar o tampo da sanita quando vai à retrete, mas é chover no molhado...”, ela não está a malhar no seu homem, mas sim a reforçar-nos a ideia que, após tanto chover no molhado, o Antunes passou a fechar sempre o tampo da sanita...inclusivé, antes de a utilizar. E isso, é de louvar.

18.9.11

CHOVE QUE DEUS A DÁ

Até que seja comprovadamente desmentido, acredito que a maior parte das expressões idiomáticas foram criadas pela escola de pensamento de monsieur La Palisse. Só pode!
Pois quem, senão Deus, poderia dar a chuva? Entenda-se aqui “Deus” como posto hierárquico, podendo ele ser ocupado por Budha, Maomé, Are Krishna, Apolo ou qualquer outro candidato com as devidas qualificações pré-Bolonha.

Segundo a boa velha escola de economia clássica, se a chuva fosse algo de valor, não se dava, vendia-se. Ora sendo desnecessário provar que a chuva é boa (quanto mais não seja no nabal, enquanto faz sol na eira), então se alguém dá alguma coisa com valor, esse alguém é um magnânimo benfeitor sempre disposto a ajudar o próximo e, nos dias que correm, apenas Deus preenche os requisitos para assim ser considerado.

Além disso, “dar” também não é bem o termo mais correcto, porque como bem sabe quem já estudou o ciclo da água na escola primária (felizmente, muito poucos), a chuva irá regressar lá acima por via da evaporação do mar, dos rios e de grandes concentrações de água como a albufeira do Alqueva ou o Orçamento de Estado. Portanto, quando se percebe que quem dá, já está na mira de o receber de volta, passa imediatamente de magnânimo benfeitor a besta egocêntrica, num processo similar aos dos treinadores de futebol. Conclusão: usar esta expressão é o mesmo que falar, só para não estar calado.
E tenho dito.

CHORAR LÁGRIMAS DE CROCODILO

Crocodilo é macho e macho que é macho não chora. Ponto final.
Que imagem de respeitabilidade conseguirá passar um crocodilo que não é capaz de suster as lágrimas? Não colhem as teorias de que poderão ser conjuntivites ou irritação provocada pelos fungos das águas do pântano, porque, a bem da verdade, um crocodilo que chora ou não se dá ao respeito ou é uma crocodila.

Segundo ponto: acreditemos na conjuntivite. Se as lágrimas existem e são reais, não se percebe porque diabo a expressão designa falsidade. Ou talvez se perceba: se um crocodilo não chora, é altamente provável que uma crocodila chore e, tal como qualquer fêmea, chore por qualquer razão sem fundamento, desde o crocodilo que não lhe liga porque prefere ver o benfica na televisão, até ao choro forçado para que lhe comprem mais uma mala ou uns sapatos, quem sabe, se de pele de crocodilo...

Ainda assim, se fosse um facto que os crocodilos choram falsamente, acho muito estranho a Lacoste nunca se ter pronunciado sobre o assunto, insistindo na imagem feliz do crocodilo a rir.

CHEGAR LÁ PARA AS QUINHENTAS

Começaram por ser “lojas dos trezentos”, onde qualquer bugiganga, do pacote de palitos ao serviço de porcelana made in China custava trezentos paus. Depois, por via da conversão monetária, passaram a “lojas de euro e meio” ou, mais libertinamente, “lojas de preço certo”. Hoje, face à desregrada concorrência já são “lojas de euro e meio e outros preços” que, ao fim e ao cabo, pode ser qualquer coisa.

Esta conversa despropositada tem, contudo, o propósito de colocar as coisas em perspectiva – ou seja, tudo é relativo. Porque é que chegar para lá das quinhentas significa chegar tarde? Se compararmos com chegar às mil, não estaremos a chegar cedo?

E já agora: chegar lá prás quinhentas quê? Horas? Nesse caso chegaria às oito da noite do vigésimo primeiro dia após a expressão ser dita, o que também não é assim tão tarde. Faz sentido? Não. E é apenas mais uma prova em como, basta raciocinar com um pouquinho de inteligência para se perceber a completa disfuncionalidade de todas as bacoradas que por aí circulam. Certamente, bem mais de quinhentas.

28.8.11

CHEGAR A ROUPA AO PÊLO

Continuamente se insiste em dar a esta expressão um significado totalmente contrário àquilo que ela descreve. Chegar a roupa ao pêlo não pode ser senão sinal de aconchego, de carinho, de afectuosidade, de protecção maternal contras as noites geladas e os papões do telhado.

Em vez de difundir estes conceitos de paz e harmonia, insiste-se, geração após geração, em que esta expressão significa dar porrada de criar bicho ou enfardar a mula. Como se já não bastasse a língua portuguesa ser muito traiçoeira, ainda se forçam as pessoas a dizer e escrever uma coisa para significar o seu contrário!

Acresce outro contra-senso: como é que se poderá querer mal a alguém, chegando-lhe a roupa ao pêlo, pois se quanto mais aquela estiver chegada, menos o pêlo sofrerá devido às condições climatéricas? E não vamos sequer falar dos casos de manifesta impossibilidade de chegar a roupa ao pêlo, como no período pós-depilação (por insuficiência de pêlo) ou nos adeptos do naturismo (por insuficiência de roupa).

CALHAR QUE NEM GINJAS

Que estranha razão cósmica levará a dizer que algo que acontece de bom, calha que nem ginjas? Cientificamente, não existe qualquer justificação que permita afiançar que as ginjas caem melhor ou pior que as meloas, as pêras-abacate ou as uvas-mijonas.
Da mesma forma, nada pode garantir que o calhar da ginja seja sinónimo de acaso feliz, porque a ginja pode, muito naturalmente, estar podre ou bichada.

Meditemos um pouco: o que é calhar que nem ginjas? Como é que uma ginja calha? Se calhar, até nem calha...ou calha no fundo de uma garrafa com aguardente, sendo depois vendida como ginjinha de Óbidos, e às tantas nem é ginja, é cereja!

Podendo ocorrer que o vencedor do euromilhões diga que o prémio lhe calhou que nem ginjas, é extremamente duvidoso que alguém sentado debaixo de uma ginjeira e que leve com uma ginja na cabeça, venha a dizer que lhe saiu a sorte grande. Só por aqui, se comprova como esta expressão é tendenciosa.

CAIR A ALMA AOS PÉS

Este embuste das expressões parte do princípio de que a alma está acima dos pés, por forma a não violar a lei da gravidade.
Ora, nem sempre tal é verdade. Por variadíssimas razões, uma pessoa pode estar de cabeça para baixo, desde logo impossibilitando que a alma lhe caia aos pés. Em semelhante situação, é bem mais natural que, por exemplo, lhe saiam os bofes pela boca.
Por outro lado, é comum dizer-se de grandes figuras como Carlos Lopes ou Rosa Mota, que eles corriam com alma, donde por analogia, se conclui que a alma deles estava nos pés. Novamente, impossibilitada de cair.

Mais uma prova da estupidez desta afirmação?
Ela viola uma lei da física, já que a alma não é uma coisa palpável (ou tangível, na linguagem SNC), sendo portanto etérea. Logo, uma coisa etérea nunca pode cair aos pés seja de quem for, com o agravante que o etéreo é invisível, donde, quem deixasse cair a alma e não mais a visse para a apanhar, correria o risco de alguém a pisar, ficando com ela colada à sola dos ténis, qual uma pastilha elástica, o que é, a todos os títulos, um triste destino para um alma.

7.8.11

CAIREM OS PARENTES NA LAMA

Pergunta que se impõe: quais as implicações de caírem os parentes na lama? Desde logo, a necessidade de lavagem quer dos parentes quer do vestuário. E poderão todos os parentes cair na lama? Ou só uma selecção deles? Nesse caso, quem é o seleccionador? Quem define quais os parentes a cair na lama e os que ficam a ver o espectáculo? Quem vai primeiro à lama – a sogra ou as manas gémeas jeitosas?

Ensinam-nos os espectáculos da TV americana que os mais talhados a cair na lama são os homens de grande porte e as mulheres de igual calibre (pelo menos, a nível peitoral). E se o que se vê representa a realidade, também não se percebe o tom depreciativo desta expressão, já que nesses espectáculos, caindo dois parentes na lama, logo tratam de arranjar uma zaragata enlameadora, de si próprios e da assistência, a qual vibra, fazendo apostas e bebendo Budweiser. Como tal, show garantido.

Além do mais, não descuremos o efeito benéfico da lama na epiderme – há quem pague fortunas por banhos ou máscaras da dita, pelo que só por aqui se comprova que o sentido dado a esta expressão é totalmente desajustado.

CADA UM TEM O QUE MERECE

Por imperdoável falha na concepção do último Censos, foi desperdiçada uma oportunidade única para desmascarar esta mentira mil vezes repetida, como sinal de que tudo é comandado pelo destino. Esse inquérito deveria ter considerado a pergunta “Você tem o que merece? Sim / Não” e facilmente se veria que 99% da população (e o José Mourinho, se cá morasse) responderia que não.

Desde logo por inadmissível exclusão sexista, se apenas cada UM tem o que merece, então cada UMA seria sistematicamente discriminada. Mas cada um, quem? Cada um de nós? Mas nós, quem? Nós, tipo concretamente a gente, ou nós, a nível geral a humanidade? Se é a humanidade, e se ela tem o que merece, então quem fica com aquilo que não merece? Os extraterrestres? E não terão eles depois motivos fundados para reclamar, fruto de ficarem sempre com aquilo que não merecem? E não merecem porque não se empenharam o suficiente ou não merecem porque são gajos verdes com antenas e um olho na testa e, portanto, seria um desperdício?

Definitivamente, é preciso que estas coisas sejam debatidas, pensadas e meditadas antes de sair para o público, porque não se percebe como é que alguém coloca afirmações destas a circular como sendo verdades absolutas, sem por um momento pensar sobre as implicações teológicas, filosóficas e de espaço-contínuum que elas possam provocar. E isso, lá está, é algo que ninguém merece.

CADA QUAL SABE ONDE LHE APERTA O SAPATO

Ora aqui está uma expressão tão verdadeira quanto inócua. Sendo um facto que ninguém conhece melhor os seus sapatos que os legítimos proprietários, também não é de esperar que outras pessoas tenham conhecimento das calosidades de terceiros. Excepção óbvia aos calistas.

Nem estou a ver que interesse poderia eu ter em saber que a vizinha do 5º esquerdo tem um sapato que lhe aperta o dedo mínimo do pé direito ou que o sr Antunes do talho, à força de tanto de perguntarem se tem pezinhos de porco, já desenvolveu a neurose de que os ténis lhe trilham os calcanhares de suíno.

Outra imprecisão que daqui deriva é a de que todos os sapatos apertam, o que sabemos não ser verdade, pois conforme consta da história da Cinderela, o seu sapato era mesmo à medida. E não vamos sequer debater se o Batatinha tem pés que preencham na totalidade aquelas alpercatas que mais parecem um batelão de carga.

26.6.11

CABO DOS TRABALHOS

Temos novamente uma interpretação errada, como sinónimo de trabalho difícil ou, como se designa na linguagem técnica alentejana, uma grande trabalhêra.

Primeiro, se cabo for extremidade, então dizer-se “extremidade dos trabalhos” pode, quando muito, querer dizer que já se está na ponta ou quase no fim e, portanto, na parte mais fácil.
Segundo, se o cabo for o apêndice por onde se pega, como em “cabo da enxada”, então será numa interpretação livre, o sítio onde se pega ao serviço, geralmente, o relógio de ponto. Ou a máquina do café, se se for funcionário público.

Terceiro, se o cabo for posto hierárquico, seguinte ao de soldado, o cabo dos trabalhos pode ser um graduado assim conhecido na caserna por impôr grandes desmandos aos seus subordinados, como a limpeza de latrinas às três da manhã e outras coisas do género.

Toda e qualquer interpretação fora destes significados é, na opinião do ilustre painel de jurados aqui presente, um abuso de liberdade que poderá acarretar ao seu autor o cabo dos trabalhos.

CABEÇA DE ALHO CHOCHO

Não perdi ainda a esperança de, um dia, haver alguém que me explique o sentido depreciativo desta expressão.

Isto porque o chocho tanto pode ser um beijo (e não conheço alhos que se beijem), como pode ter o sentido figurativo de insípido, adoentado ou sem préstimo. Ora, coisa que o alho nunca será é insípido e quanto ao alho adoentado, todos temos os nossos dias.
Conceda-se então que o chocho seja oco, sem sumo ou sem préstimo, contudo, os alhos, e mais especificamente a sua cabeça (que, ao fim e ao cabo é quase todo o seu corpo) têm direito à sua dignidade e não podem continuar a ser enxovalhados desta maneira! Chocho ou viçoso, o alho tem direito a uma existência condigna com a sua condição, de cabeça erguida e, se necessário, mostrando os dentes a quem o ofende. Não esqueçamos nunca que o alho é aquilo que o bacalhau quer, conforme demonstrado pelo filósofo contemporâneo Saúl.

Banir esta expressão é mostrar o cartão vermelho à intolerância e à discriminação com base no sexo, na cor, na religião ou no estado da cabeça do alho.

BORRAR A PINTURA

Mais tarde ou mais cedo teria de vir a expressão de cariz escatológico tão ao gosto do nosso povo, por definição, vulgar.

Não seria bastante para designar um falhanço, se se dissesse que determinado sujeito tinha desfocado a fotografia? Partido a escultura? Riscado o manuscrito? Desafinado o instrumento?...é que nem sequer se colocou a hipótese de ele ter misturado mal as cores ou ter dado uma pincelada ao lado!...Não, ele tinha logo de borrar a pintura!!
Em nome da decência, da educação dos nossos jovens que são o futuro do amanhã e mais não sei quê, em nome do respeito (que é bonito e eu gosto), daqui se apela a todas as autoridades deste país e, nomeadamente, a quem de direito, que proíba de imediato o uso desta expressão, substituindo-a por algo equivalente e também de fácil entendimento, como “sujar com matéria fecal a representação efectuada pelo pintor”.

13.6.11

BOA COMO O MILHO

Para começar, temos logo um grave erro de concordância em língua portuguesa, pois não se pode dizer que alguém é boa (adjectivo feminino) como o milho (substantivo masculino)...a não ser, claro, que estejamos a falar de um hermafrodita, mas mesmo aí eu sugeria que se dissesse “boa como a massaroca”.

Em segundo lugar, estabelece-se, discutivelmente, que o milho é bom. Será bom para quem gosta, como as galinhas ou assim, porque fora isso...a não set que milho seja usado na acepção de pilim, graveto, cacau, caroço. Aí sim, milho é bom e toda a gente gosta.

Há também um elemento gradativo algo confuso. Ser boa como o milho é ser muito boa, suficientemente boa ou minimamente boa? Porque se o milho for, de facto, bom, não será contudo a quinta essência dos sabores, pelo que haverá paladares acima e abaixo dele.
Exemplo: se uma for tão boa como o milho e outra tão boa como o óleo de fígado de bacalhau, a primeira ganha claramente. No entanto, se a primeira for tão boa como o milho e a segunda tão boa como os ovos moles de Aveiro, já tenho dúvidas que não seja a segunda a ganhar.

5.6.11

BATER NO CEGUINHO

Desde logo, bater em ceguinhos, aleijadinhos, tetraplégicos, adeptos do FCP e outros diminuídos em geral é sinal de pouca humanidade e um acto socialmente censurável, com excepção dos adeptos do FCP, onde é perfeitamente tolerável que se bata. Muito.

Segundo, esta frase é altamente humilhante para quem a profere: “prontos, já precebi, não batas mais no ceguinho” é assumir uma condição de invisual nada lisonjeira e tanto mais grave se quem a proferir for um árbitro. No fundo, é o assumir daquilo que já muita gente sabe, ou seja, que os árbitros não vêem um boi à frente ou um penalti a favor do Benfica.

Terceiro ponto, esta expressão deve também ser banida porque ao ser tão específica, leva a crer que o mal não está em bater, mas sim em bater no ceguinho, pelo que se poderá continuar a aviar porrada de três em pipa desde que o oponente tenha todas as dioptrias correctas! E se a isto juntarmos que também não se deve bater em quem tem óculos...

BAIXAR A BOLINHA

Alguma vez passaria pela cabeça de um avançado pedir ao seu colega que lhe fez um cruzamento demasiado alto que, para a próxima, tenha mais respeito? Pois...a ideia inversa pelos vistos passou pela cabeça de alguém, para ter inventado que para manter o respeito, há que baixar a bolinha!

Facilmente se vê que isto não faz sentido.
Se o pedido for feito a um elemento do sexo feminino, as únicas bolas susceptíveis de se baixar situam-se ao nível peitoral, sendo que o seu descaimento, além de altamente inestético e revelador de idade avançada, provocarão também menos respeito, portanto, estaríamos numa proposição contraditória.
Se estivermos a falar de um espécime masculino, baixar a bola, ou melhor, as bolas (estamos perante um sujeito plural) apenas acontece em momentos de grande perigo ou susto, em que é vulgar dizer-se que as ditas possam cair ao chão.

Fora isso, é suposto que as mesmas estejam firmemente seguras ao seu suporte, embora possam abanar. Mas como se diz que tropeçar não é cair, em princípio, abanar também não.

AS PAREDES TÊM OUVIDOS

A desfaçatez com que se afirmam estas bestialidades é,de facto, assombrosa. A verdade é que isto não passa de uma aldrabice que se prega às crianças, vá-se lá saber porquê, igual a tantas outras, como a história do papão ou do velho do saco.

Se o objectivo é fazê-las falar mais baixo, então a táctica não é boa, pois leva-as a sussurrar e , lá diz o povo, quem cochicha o seu rabo espicha. Conclusão, estamos a criar uma geração de rabudos!

Por acaso os brilhantes inventores desta mentira nunca pensaram que se as paredes tivessem ouvidos, os pintores não poderiam usar tinta d'água porque as trinchas escorregariam na cera? Se as paredes tivessem ouvidos, não deveria a Sonotone ter no seu catálogo algum tipo de aparelho para ajudar a audição das paredes mais velhas?

E, já agora, as paredes têm ouvidos para quê? Nunca ninguém ouviu dizer que elas tivessem boca, pois não? Então para que querem elas os ouvidos se depois não podem contar as conversas que ouvem? Perguntem às mulheres e elas saber-vos-ão elucidar o que estou a dizer.

Exige-se o cabal esclarecimento da opinião pública: se as paredes têm ouvidos, onde é que eles estão? São aqueles buracos que por vezes se vêem nos rodapés?

8.5.11

ARMAR-SE EM CARAPAU DE CORRIDA

Mas quem é que já viu um carapau a correr? Onde? Quem fabrica o material desportivo para essas corrida? A Robalook? A Sardidas?
Ok, por facilidade de raciocínio vamos imaginar que estamos a falar de corridas sub-aquáticas. Deduz-se que o carapau de corrida é um atleta, um herói dos tempos da mediatização. Então porque é que a Eurosport não transmite nenhuma corrida de carapaus? Em que pistas (ou será, postas?) se realizam? Quem dita as regras e homologa o campeonato' é tudo à balda?

Outra questão: se há carapaus de corrida, quer dizer que também os há em versão lenta? E assim sendo, teremos carapaus em velocidade de caracol, mais conhecidos por carapol?

Claro que admitir que existem corridas sub-aquáticas de carapaus dá todo um novo entendimento às disciplinas do atletismo de fundo e meio-fundo: as primeiras, abaixo dos 5000 metros e as segundas a meio caminho entre a profundidade do défice orçamental (muito, muito fundo) e a profundidade de pensamento de uma top model (muito, muito a boiar).

AREIA DEMAIS PARA A TUA CAMIONETA

Usa-se vulgarmente para designar a incapacidade de compreensão, o que, a meu ver, está mal, porque o problema pode até nem estar na areia mas sim na camioneta, possivelmente devido a uma falta de investimento que potencie a capacidade carga ou à falta de manutenção que degrade a suspensão de maneira a tornar impossível o transporte daquela carga.
Ou pode ser uma questão de peso. A areia molhada torna-se mais pesada e portanto, excede a tonelagem admitida pelo código da estrada.

Mais uma vez se coloca a questão – o que faz nascer uma expressão destas e não outras, tão válidas e equivalentes como: isto é estrume demais para a minha carroça, isto é lixo demais para o meu contentor, isto é vinho demais para a minha pipa ou isto é dera demais para os meus ouvidos?

Derradeira prova de coerência de uma expressão – a comutatividade. Se funcionar em sentido inverso, isto é, se dissermos o que é suposto a expressão significar, sem utilizar a frase-feita e mesmo assim nos compreenderem, é credível.
Alguém acredita que o camionista, estando no areeiro a carregar o camião e vendo o atrelado a deitar por fora, vá dizer “A minha compreensão já não alcança esta matéria”?
Duvido.

1.5.11

AQUI HÁ GATO

Qualquer pessoa minimamente dotada de dois ou mais neurónios agrupados aos pares, já se terá interrogado sobre o porquê desta máxima, perante uma desconfiança.

Sigamos este raciocínio: a curiosidade matou o gato, se há curiosidade é porque não se sabe algo, se não se sabe está instalado o mistério, se há mistério então desconfia-se, se se desconfia, aqui há gato! Corolário: o gato morreu, e aqui há gato. Em que ficamos?

Conceda-se que o gato seja um animal mais misterioso do que os outros. Mas também o Tyranossauros-Rex o era, e lá por isso não consta de nenhuma destas parvoíces que o povo costuma passar de geração em geração. Será por já estar extinto?

Veja-se então o caso de animais misteriosos ainda existentes, como a lesma ou a mosca varejeira. Será que tão simpáticas criaturas serão indignas de servir para um chavão, ao contrário do gato? Responda quem souber, mas eu acho que dizer que “aqui há varejeira” quando se desconfia de algo, seria bem mais elucidativo.

AQUI É QUE A PORCA TORCE O RABO

Para pôr esta questão em pratos limpos, há que responder a duas questões fundamentais: porque torce a porca o rabo e porque tem de ser aqui?

Em relação à primeira questão, não seria de supor que a suína criatura tivesse o dito já torcido à nascença? Pois se é de todos sabido que aquela imitação de saca-rolhas apensa à parte posterior de uma porca faz parte do seu corpo ainda antes de ser porca, ou seja, na fase de leitão!

Há ainda o pormenor, não dispiciendo, de estarmos a falar da cauda, não do rabo – um rabo torcido, além de inestético, acarreta com certeza problemas de obstipação da tripa.

Em relação à segunda questão, o facto de ter de ser aqui e não noutro sítio, introduz um elemento valorativo no acto de torcer o rabo. Fica a ideia que, neste ponto, o que importa não são os rabos, mas o sítio onde eles são torcidos. Enfim, opiniões...

ANDAS A ARRANJAR LENHA PARA TE QUEIMAR

Esta expressão é de bradar aos céus perante tantas inconsistências.

Primeiro, a lenha não se arranja, recolhe-se. E para a recolher vai-se à mata, sendo que não se pode lá queimar nada porque as queimadas são proibidas (excepto, no verão, se a mata ficar em sítio urbanizável com vista para o mar).

Segundo, há inúmeras formas de um tipo se queimar, não sendo a imolação com lenha a primeira a ocorrer. Excepto no tempo da Inquisição mas, mesmo aí, não era o imolado a juntar lenha, já que a generosa instituição tratava de toda a logística necessária.

Terceiro, perante o facto que determinado sujeito anda a arranjar lenha, extrapolar que ele se queira queimar parece-me abusivo – mesmo um pirómano gosta de ver outros a arder, não ele. Um suicida resolve as coisas rapidamente, não se mata com escaldões. Um masoquista porventura preferirá queimaduras e assadelas em sítios específicos, coisa que não é possível com uma fogueira.

Para que serve então esta máxima? Não faço ideia, mas sem dúvida é boa para queimar.

17.4.11

ANDAR COM OS TARECOS ÀS COSTAS

Há-de o leitor concordar comigo que esta é das expressões mais disparatadas inventadas pelo povo. Mas quem é que anda com os tarecos às costas? Pois se até as gatas que os dão à luz, preferem transportá-los na boca!...

Outro pormenor – duvido que alguém vá, voluntariamente, colocar os tarecos às costas sabendo que ao mínimo desequilíbrio os sacanas disparam aquelas unhas afiadas, cravando-as nas costas de um tipo, só para não caírem. E depois quando o sujeito chega a casa, tira a roupa para o banho, vem a mulher (já se sabe como elas desconfiam de tudo) e vai logo perguntar que arranhões são aqueles nas costas, o que é que “andastes” a fazer na rua até às tantas, que baton é aquele no colarinho da camisa, etc, etc... E o inocente apenas tem para dizer que andou com os tarecos às costas! Qual é a mulher que acredita?

Claro que se os tarecos forem tarecas e houver baton no colarinho, é bom nem sequer começar a argumentação...

ANDAR COM A PULGA ATRÁS DA ORELHA

Devo abrir aqui uma excepção para dizer que concordo com esta expressão, no sentido de que se está desconfiado. Estais espantados? Eu explico.

De facto, se se anda com uma pulga atrás da orelha, é sinal para desconfiar...quanto mais não seja, desconfia-se que o tipo não toma banho ou que mora num sítio imundo.
A razão de incluir aqui esta máxima é apenas pela sensação de intimidade que dela ressalta, isto é, dizer que o João anda com a pulga atrás da orelha é como dizer que o Joaquim anda com a Marisa atrás dele, ou seja, deixa logo perceber grandes intimidades entre o João e a pulga. Pouco higiénicas, de resto.

De pouco adianta trocar o verbo andar pelo verbo estar, como alguns fazem, porque se o João está com a pulga atrás da orelha, pode deduzir-se que estará com ela por interesse. E que raio de interesse pode um tipo ter numa pulga? Ainda por cima, atrás da orelha, onde sítio onde nem se consegue ver se ela se porta bem ou mal, o que em última análise, é mais um motivo para desconfiar.

ANDAR À MAMA

Outra expressão que, para grande desgosto nosso, não pode ser inteiramente tomada à letra. Pois se, andar aos caídos ou andar aos papéis designam efectivamente uma actividade, andar à mama não designa nada de nada!

Seja o que for que a alma iluminada que inventou esta expressão quisesse dizer com isto, andar à mama nunca poderia ser sinónimo de não fazer nada, isto porque, no que toca a mamas (e tirando as maternais) ninguém dá nada a ninguém. Logo, para ter mama (mesmo quando elas parecem oferecidas) só pagando, o que implica ter dinheiro, o que implica ter trabalho para o ganhar. Corolário: para ter mama é preciso trabalhar. Voilá!

E não vamos deixar de ter em mente que, tirando certas aberrações da natureza, ninguém nasce com uma só mama. Elas costumam vir aos pares. Donde resulta que a expressão nem é correcta nem está escrita em bom português, devendo ser “andar às mamas”.

27.3.11

ANDAR A ROÇAR O CU PELAS ESQUINAS

Inúmeras considerações de ordem higiénica poderiam aqui ser colocadas, mas o que importa realçar é que a utilização desta expressão para designar aquele que nada faz na vida, não podia estar mais errada. Em bom português, esta expressão não vale um cu.

Desde logo, o acto de roçar o traseiro numa esquina pressupõe trabalho: primeiro, há que encontrar uma esquina a jeito, pois nem todas servem, há as que acabam numa montra arredondada e portanto, tecnicamente, não tem esquina; as que estão obstruídas por caixas de derivação da EDP, etc.

Depois, há que encontrar o ponto certo de encaixe entre a nalga e a esquina, e fazer todo um trabalho de genuflexão, que obriga os músculos das pernas a estarem bem oleados.

Não nos iludamos! Esta expressão quer mesmo dizer o contrário daquilo para que é usada e, mesmo perante a hipótese de masoquismo, decerto o sujeito tratará de encontrar outros locais mais agradáveis para roçar, que não as esquinas.

AINDA NÃO SABES DA MISSA A METADE

Diz-se que foi usada pela primeira vez há cerca de 2000 anos, segundo registam os anais da história, por um tal de JC, aquando da primeira celebração de uma missa, na altura em que os fiéis se levantavam para ir embora tendo apenas ouvida a primeira oração : "Pessoal! ainda não sabeis da missa a metade!..."

Normalmente é usada para designar o desconhecimento que alguém tem acerca de determinado ponto. E é aqui que bate o ponto.
Desde logo, pela discriminação daquele que não sabe da missa a metade. Perpassa por aqui uma espécie de estigma sobre aquele que ignora, politicamente incorrecto nos tempos actuais, já que está cientificamente comprovado que quando uma pessoa não sabe de um assunto a culpa nunca é sua - pode ser do professor, do programa lectivo muito extenso, dos horários sobrecarregados, da falta de instalações condignas, dos livros pedagogicamente incorrectos, etc, etc, sendo isto válido tanto para a matemática como para a missa, matéria aliás da exclusiva competência dos clérigos, logo, pessoas com acesso privilegiado a "inside information" em matérias não ao alcance do comum dos mortais.

AINDA A PROCISSÃO VAI NO ADRO

Embora utilizada como sinónimo de algo que ainda está no começo, se as pessoas pararem um minuto para pensar (sim, eu sei que é muito), vão chegar, mais uma vez, à conclusão que esta é uma frase feita que não tem nada de especial.

Por definição da Grande Enciclopédia Universal, "adro" é o terreno aberto ou murado em frente ou à volta das igrejas.
Ora, se ele é murado, é bom de ver que a procissão nunca chega a sair do adro, pelo que não faz sentido dizer que ela ainda ali vai.
Se, por outro lado, o adro é aberto e a procissão ainda ali vai, das duas uma: ou já saiu tarde e a culpa será do padre que esteve entretido a fumar uma beata ou porventura do sacristão que não apresentou o andor a tempo e horas; ou saiu à hora mas ainda vai no adro porque os fiéis não têm mais o que fazer e arrastam os pés vagarosamente, talvez porque a maioria dos peregrinos tenham problemas de artrite reumatóide.

Em qualquer dos casos, como se vê, a expressão em si mesma não informa nada de relevante.

7.3.11

ACORDAR COM OS PÉS DE FORA

Esta é, passe o pleonasmo, uma expressão sem pés nem cabeça. Por um lado, acordar significa, a maior parte das vezes, conciliar, estar de acordo ou resolver de acordo – então, o que raio é estar de acordo com os pés de fora??? É dar um aperto de mão, fazendo figas atrás das costas?

Por outro lado, se se entender acordar como sinónimo de despertar, então estaremos a abrir a pestana com os pés de fora porquê? A manta carece de comprimento? A cama é curta face ao tamanho dos presuntos? E porquê acordar com os pés de fora e não com outra qualquer parte do corpo? Quem dorme com os pés para o lado da cabeça, acaso corre o risco de acordar com a cabeça de fora? E se o fizer, será que não teve motivos para isso?

Em conclusão, esta é uma expressão que devia levar com os pés e ficar fora da língua portuguesa.

A VERDADE, TAL COMO O AZEITE, VEM SEMPRE AO DE CIMA

O primeiro aspecto que importa corrigir nesta farsa que tem sido passada de geração em geração, é que nem só a verdade e o azeite vem ao de cima. Outras coisas, como o preço dos combustíveis, o vómito na garganta do bêbado ou a saia da Marilyn Monroe sobre a grelha do metro, apenas para citar alguns exemplos, vêm também ao de cima sem andarem constantemente a serem mencionados.
O segundo aspecto a corrigir, é a difusão de que o primado da verdade está acima de todos os outros. Ora este é um conceito perigoso se levado demasiado à letra – é que verdade traz consigo conceitos como o da honestidade ou o da ética, bastante difundidos até meados do século passado, mas que, hoje em dia, estão bastante ultrapassados.

Coitada da sociedade onde os cidadãos esperem apenas a verdade, se regulem com honestidade e se rejam com ética. Será uma sociedade condenada a acreditar em mistificações absurdas como, por exemplo, o conceito de justiça!

Tenhamos piedade de um povo assim.

27.2.11

A PENSAR MORREU UM BURRO

Mas será que ninguém vê a vacuidade desta expressão?
A quem será que interessa saber como morreu o burro, senão ao médico legista? Em que é que essa informação contribui mais para a felicidade de um cidadão do que, por exemplo, saber a taxa de fecundidade dos organismos unicelulares?

Segundo ponto: os burros não possuem formas específicas de morte só pelo facto de serem burros. Tal como os humanos, e há casos de espécimes que acumulam as duas naturezas, um burro tanto pode morrer a pensar, como a dormir, a comer ou a conduzir em contra-mão no IP5.

Terceira questão: esta é mais de carácter filosófico mas, será mais digno um burro que, apesar de o ser, morre a pensar ou um pensador que morre por fazer uma burrice? Esta é uma questão que deixo à meditação do leitor, para que se perceba o quanto estas expressões, ditas populares, podem ser enganadoras no seu sentido. Se não servir à meditação, espera-se mesmo assim que esta questão sirva como indutora de sono para quem não o tem.

A MONTANHA PARIU UM RATO

Sendo as “pedras parideiras”, comuns na serra da Lousã, o único fenómeno geológico cientificamente comprovado que faz nascer pedras, esta expressão é uma clara fraude imposta às nossas crianças.

Veja-se como ela é absurda, até de um ponto de vista matemático: diz-se que a montanha pariu UM rato e não uma ninhada, que é a forma natural de nascimento destes roedores. Logo, para parir uma quantidade de ratos suficiente para abastecer os laboratórios de investigação de todo o mundo, imagine-se a cordilheira de montanhas que não seria necessário! Outra questão por explicar: se a montanha pare um rato, quem ou quê pare as ratas?

Para lá de todo este embuste linguístico, pretende-se também fazer crer que a expressão é sinónimo de algo que promete muito, acabando por produzir pouco resultado. Ora, um rato, não é sinónimo de pouco – veja-se o caso do rato Mickey, hoje por hoje, uma das maiores fortunas da indústria do entretenimento.

20.2.11

A CONVERSA NÃO CHEGOU À COZINHA

Impõe-se perguntar: mas não chegou, porquê? A cozinha é muito longe? É à prova de som?

Desde logo o senso comum contradiz esta expressão: por um lado, se as conversas são como as cerejas, então o lugar mais natural para elas estarem será na cozinha; por outro, conversa é sinónimo de cavaqueira, palavreado, conversação, também conhecida como a nobre arte de dar à língua, desde tempos imemoriais praticada pelas mulheres, cujo lugar natural de exercício de cidadania é, lá está!, a cozinha. Chegamos assim à conclusão oposta daquela que a expressão pretende fazer crer, ou seja, a conversa já está na cozinha!

De resto, e por exclusão de partes, verifica-se que a conversa não deverá estar noutras divisões da casa: no quarto de dormir serão de adoptar os gemidos/gritos; na casa-de-banho usam-se os sons guturais condizentes com a disposição do intestino ou, quando muito, canta-se no chuveiro; na sala de estar, telenovelas e jogos do Benfica não admitem conversas frente ao televisor. Resta a cozinha.

A COISA ESTÁ A FICAR (FEIA/PRETA)

Esta expressão é tão falha de objectividade que deveria, desde logo, ser banida da língua portuguesa.
Será que a coisa fica preta por falta de higiene? Será que dizer que a coisa fica preta, como sinónimo de algo que vai mal, não denota uma tendência racista? Tudo o que é preto é mau? Então e o Eusébio? E o bolo do caco da Madeira?
Por outro lado, se a coisa está a ficar feia isso pode apenas ser um sinal de envelhecimento. É consensual que, com o avançar da idade, não vamos ficando mais bonitos, o que tornaria esta expressão numa máxima de La Palice, ou seja, a constatação do óbvio, não tendo valor de per si e não valendo mais do que um bordão de conversa mole, se quisermos, uma muleta, senão mesmo, uma canadiana.
Sendo canadiana, elimine-se pois da língua portuguesa.

* EDITORIAL

Caro cibernauta,
Já alguma vez pensou naquelas expressões que se dizem diariamente sem, no entanto, ter consciência daquilo que está a dizer?

Se não pensou, devia. Porque geralmente, estará a dizer asneiras.
Felizmente, decidi elucidá-lo para que mais ninguém o chame de asno, dissimuladamente. Veja-me como um paladino da causa "anti-expressões idiomáticas", que mais não são do que versões ignóbeis e preguiçosas de uma afirmação, que apenas revelam a falta de esforço intelectual de quem as profere.

Enfim, poderão também significar outras coisas, mas se espera que eu me vá debruçar sobre elas...pode tirar o cavalinho da chuva.