23.12.11

COMO O TEMPO VOA!

Podendo reconhecer-lhe alguma utilidade como ajuda para pôr fim a conversas chatas, sou obrigado a apontar-lhe o defeito mais comum das expressões idiomáticas – a falta de substância. Ora se o tempo voa, será condição sine-qua-non que tenha asas. Mas quem é que pode dizer que viu o tempo a voar? Por acaso já alguém viu alguém a apontar o céu, dizendo “Será um pássaro? Será um avião? Será o Super-Homem? Não, é o tempo a voar!”. Simplesmente ridículo.

A ser verdade, não quero sequer pensar nas consequências espaço-temporais que seriam aquelas épocas em que o espaço aéreo fica encerrado por causa das cinzas vulcânicas da Islândia, o que obrigaria o tempo a parar. Descontando a potencial vantagem para o Manoel de Oliveira, ao não envelhecer mais um pouco, não vejo outro benefício em parar o tempo.

Para evitar estes mal entendidos, há também quem diga que o tempo corre. Discordo novamente. O tempo não é um animal, logo não tem pernas. Se fosse, decerto existiria algo como “a caça ao tempo”, em espaços de caça associativa, onde se paga bem para entrar. Como não é, fiquemo-nos pela caça à lebre, essa sim, com pernas para correr, o que ainda assim não a impede de ir parar ao tacho, confeccionada à caçador.

Dito isto, que fique assente de uma vez por todas: o tempo não voa, não corre, não nada! Vamos ser exactos naquilo que dizemos às crianças, por favor.

COMO MANDA O FIGURINO

Incessantes buscas nos arquivos de identificação civil nunca permitiram descobrir quem será esse tal de Figurino, cujas ordens são sempre as mais correctas possível e um exemplo a seguir. À falta de identificação, considerar-se-á o figurino não ser uma pessoa, mas sim um posto hierárquico?

Contudo, uma vista de olhos à escala de patentes também não permite identificar qualquer figurino cujas ordens devam ser seguidas. Numa tentativa de, ainda assim, conseguir dar alguma consistência a esta expressão (a boa vontade em época natalícia vem sempre ao de cima), consideremos o seu sentido figurado, isto é, figura que representa o traje da moda. Ora, desde logo, a moda muda, no mínimo, com novas colecções a cada seis meses, pelo que, estar conforme o figurino, não pareça ser algo de muito duradouro.

Em segundo lugar, não esta provado que o que o figurino manda deva ser seguido – penso que as calças à boca de sino, os tops que mostram umbigos celulíticos e os sapatos com saltos compensados semelhantes a barcaças de dragagem do rio Douro, serão exemplos elucidativos de figurinos que não devem ser seguidos.
Assim sendo, não podem dizer que não tentámos, mas factos são factos: aniquile-se mais esta expressão.

COMO UM BOI A OLHAR PARA UM PALÁCIO

Carece de validade científica a hipótese de que os bois olhem para os palácios de forma diferente da dos seres humanos. Retirando, evidentemente, questões de estroboscopia.

Cada vez mais, hoje em dia, se comprova que o boi não fica especado a olhar para coisa nenhuma – basta ver qualquer tourada para constatar que, se um boi não se espanta com um homem aos pulinhos à sua frente, vestindo umas calças dois números abaixo do recomendável, geralmente de tons rosados ou avermelhados e que o chama de “toiro lindo” numa atitude deveras abichanada, também não será defronte de um simples palácio que irá ficar de boca aberta.

Além de não ter fundamento, esta expressão peca também por partir do princípio de que um palácio é para admirar. Nada mais errado, pois há palácios que não apresentam no seu interior ou exterior qualquer motivo de admiração – penso que ao apontar o caso do palácio de S.Bento, me será dispensável apresentar mais exemplos, sendo por isso sequer necessário referir os palácios constituídos por torres de marfim que alguns constroem para morar toda a vida. Até porque esses, quem fica a olhar para eles não são os bois, mas sim os camelos.

18.12.11

COMER COMO UM ABADE

Diz a lenda que, durante o reinado de Dª Urraca da Saxónia, foi fundada na abadia de Westminster uma escola de boas maneiras à mesa, por se sentir grande necessidade em educar a nobreza frequentadora do paço real, no que toca ao seu comportamento à mesa, o qual poderíamos designar pelo termo técnico de "javardo".


Ministrado pelos abades mais instruídos do reino, o curso foi granjeando fama tal que em pouco tempo surgiu esta expressão que significava, basicamente, colocar os garfos à esquerda do prato, sendo o do peixe o primeiro a contar de fora; as facas à direita, sendo a da carne a de dentro; as colheres ao cimo, sendo a de sopa a primeira e a de sobremesa a última; não tocar nos alimentos com as mãos, a não ser para descascar camarões e chupar entrecosto.

Estes comportamentos, ironizados por bardos bêbados em cantigas de escárnio e maldizer, foram mal entendidos pelo povo iletrado, ignorante e, em alguns casos, estúpido, como só povo sabe ser, o qual, deturpando a expressão, passou a designar “comer com um abade” como sendo comer muito e alarvemente. Um crasso erro de interpretação.

COM UMA MÃO À FRENTE E OUTRA ATRÁS

Se isto fosse, de facto, sinónimo de pobreza, então, por analogia, os ricos e o Américo Amorim teriam de possuir mais de duas mãos, para cobrirem não só a frente e a traseira, mas também os outros lados das suas adiposas e grossas banhas abdominais de porcos capitalistas, exploradores da classe operária que trabalha de sol a sol, tentando ganhar o pão que o diabo amassou, para poder minorar alguma da fome dos seus filhos...


Peço desculpa por esta deriva esquerdista.
Retomemos. Também não consta que exista alguém com uma mão à frente e outra atrás, o que seria uma aberração anatómica. As mãos existem nos lados e se algum apêndice existe na frente não tem, seguramente, cinco dedos. Apenas um.

Outra questão: que o pobre tenha uma mão à frente para esconder a vergonha na cara ou para pedir esmola, ainda se percebe. Agora, para que raio quer ele uma mão atrás? Para fazer figas? Para fazer sinais a alguém? Para vigiar a porta das traseiras? Era bom que as entidades competentes esclarecessem de vez estas questões, porque o país está numa situação crítica e não pode continuar a perder tempo com indefinições e faltas de esclarecimento que apenas perturbam a produtividade nacional.
Produtividade, diga-se, que está aos níveis em que está exactamente pela quantidade de mãos à frente e outras atrás que andam por aí.

COM SANGUE NA GUELRA

Se determinado indivíduo tiver sangue no olho, no nariz, no artelho ou na unha do indicador, isso é um sinal de valentia? Não.

Então porque diabo o há-de ser se tiver sangue na guelra? Desde logo, excluindo a hipótese de misturas de ADN, um tipo não pode ter guelras. Antigamente havia o Homem da Atlântida, que nos tempos livres também entrava no Dallas, mas isso não conta. Donde se conclui que, para ser valente, só sendo um peixe. E se ele tem sangue na guelra, das duas uma: ou já não é fresco, ou bateu nas rochas quando foi pescado e está todo pisado, não cumprindo os mínimos exigíveis pela ASAE.


Em qualquer dos casos, não se vislumbra qualquer valentia. Eu acho, é a minha opinião, pode haver outras, que estamos perante outro erro de escrita, que se tem estupidamente perpetuado. Acredito que, na sua forma original, esta expressão dizia “com sangue, na guerra”, para designar a forma valente e galharda como os desprotegidos soldados honravam o seu reino nas batalhas medievais.
E se depois desta explicação continuar o uso absurdo desta expressão agora em voga, lavo daí as minhas mãos, porque esta cena do sangue é bastante pegajosa.