18.9.11

CHOVE QUE DEUS A DÁ

Até que seja comprovadamente desmentido, acredito que a maior parte das expressões idiomáticas foram criadas pela escola de pensamento de monsieur La Palisse. Só pode!
Pois quem, senão Deus, poderia dar a chuva? Entenda-se aqui “Deus” como posto hierárquico, podendo ele ser ocupado por Budha, Maomé, Are Krishna, Apolo ou qualquer outro candidato com as devidas qualificações pré-Bolonha.

Segundo a boa velha escola de economia clássica, se a chuva fosse algo de valor, não se dava, vendia-se. Ora sendo desnecessário provar que a chuva é boa (quanto mais não seja no nabal, enquanto faz sol na eira), então se alguém dá alguma coisa com valor, esse alguém é um magnânimo benfeitor sempre disposto a ajudar o próximo e, nos dias que correm, apenas Deus preenche os requisitos para assim ser considerado.

Além disso, “dar” também não é bem o termo mais correcto, porque como bem sabe quem já estudou o ciclo da água na escola primária (felizmente, muito poucos), a chuva irá regressar lá acima por via da evaporação do mar, dos rios e de grandes concentrações de água como a albufeira do Alqueva ou o Orçamento de Estado. Portanto, quando se percebe que quem dá, já está na mira de o receber de volta, passa imediatamente de magnânimo benfeitor a besta egocêntrica, num processo similar aos dos treinadores de futebol. Conclusão: usar esta expressão é o mesmo que falar, só para não estar calado.
E tenho dito.

CHORAR LÁGRIMAS DE CROCODILO

Crocodilo é macho e macho que é macho não chora. Ponto final.
Que imagem de respeitabilidade conseguirá passar um crocodilo que não é capaz de suster as lágrimas? Não colhem as teorias de que poderão ser conjuntivites ou irritação provocada pelos fungos das águas do pântano, porque, a bem da verdade, um crocodilo que chora ou não se dá ao respeito ou é uma crocodila.

Segundo ponto: acreditemos na conjuntivite. Se as lágrimas existem e são reais, não se percebe porque diabo a expressão designa falsidade. Ou talvez se perceba: se um crocodilo não chora, é altamente provável que uma crocodila chore e, tal como qualquer fêmea, chore por qualquer razão sem fundamento, desde o crocodilo que não lhe liga porque prefere ver o benfica na televisão, até ao choro forçado para que lhe comprem mais uma mala ou uns sapatos, quem sabe, se de pele de crocodilo...

Ainda assim, se fosse um facto que os crocodilos choram falsamente, acho muito estranho a Lacoste nunca se ter pronunciado sobre o assunto, insistindo na imagem feliz do crocodilo a rir.

CHEGAR LÁ PARA AS QUINHENTAS

Começaram por ser “lojas dos trezentos”, onde qualquer bugiganga, do pacote de palitos ao serviço de porcelana made in China custava trezentos paus. Depois, por via da conversão monetária, passaram a “lojas de euro e meio” ou, mais libertinamente, “lojas de preço certo”. Hoje, face à desregrada concorrência já são “lojas de euro e meio e outros preços” que, ao fim e ao cabo, pode ser qualquer coisa.

Esta conversa despropositada tem, contudo, o propósito de colocar as coisas em perspectiva – ou seja, tudo é relativo. Porque é que chegar para lá das quinhentas significa chegar tarde? Se compararmos com chegar às mil, não estaremos a chegar cedo?

E já agora: chegar lá prás quinhentas quê? Horas? Nesse caso chegaria às oito da noite do vigésimo primeiro dia após a expressão ser dita, o que também não é assim tão tarde. Faz sentido? Não. E é apenas mais uma prova em como, basta raciocinar com um pouquinho de inteligência para se perceber a completa disfuncionalidade de todas as bacoradas que por aí circulam. Certamente, bem mais de quinhentas.